A revolução ecológica é inseparável da revolução social
A superação do capitalismo para um futuro humano
Com o agravamento da crise climática, propostas para modelos de desenvolvimento sustentável são sempre formuladas e postas à mesa para discussão. Em um artigo anterior da Interposto, Julia Salzano comentou de maneira concisa e fluida acerca do potencial das comunidades sustentáveis, citando os exemplos da Drop City e de Auroville. Todavia, o ponto alto do curto texto é a apresentação da ideia Solarpunk, um movimento que busca uma civilização sustentável, que integra tecnologia e natureza, afastando o pessimismo do Cyberpunk.
Há, entretanto, um ponto ainda mais alto para o qual podemos observar ao analisar a sustentabilidade. Este reside na impossibilidade intrínseca não de uma comunidade, mas um mundo sustentável sob a lógica exploratória capitalista. Para o filósofo Ailton Krenak, no livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo, a sustentabilidade é um mito “inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza”. Portanto, o autor defende que as redes de socialização capitalista reforçam a exploração da natureza como recurso.
O capitalismo apenas reitera esses “pensamentos absurdos” de que “os corpos existem para serem explorados”, como ressalta Krenak em Futuro Ancestral. Falta ao capitalismo a ideia do outro no rio, nos animais e em todo o ecossistema, o alter é suprimido em prol do ego individual e da competitividade. Comunidades sustentáveis como as expostas por Salzano são essenciais para nos mostrar o que o mundo pode se transformar não em um capitalismo reformado, mas na sua completa substituição.
Em algum momento de suas obras, o jurista soviético Piotr Stutchka comentou que é inútil pintar as paredes de uma velha e decadente cabana de vermelho, tão somente. É necessário destruí-la por completo, suas tábuas e telhas apodrecidas, e erigir no mesmo espaço estruturas novas e duradouras que permitam uma vida digna. Da mesma maneira, uma injeção de sustentabilidade sobre bases capitalistas não altera as estruturas de exploração dos recursos naturais, apenas as mantêm sob outra maquiagem.
Portanto, no território latino-americano, e nomeadamente brasileiro, sequer é suficiente superar o capitalismo, se isto não for feito com a destruição da lógica colonial que aqui reside. Em Os Condenados da Terra, o psiquiatra e filósofo Frantz Fanon comenta que a dominação colonial, longe de ser apenas militar, é responsável pela negação da realidade nacional dos povos submetidos, a sua total obliteração cultural. Portanto, nas Américas não persiste mais a lógica de coexistência entre o “eu” e o “outro” representado na natureza, que também é parte de mim, e sim a exploração irrestrita.
O sistema soviético, por exemplo, foi responsável pela superação de muitos aspectos do capitalismo, mas a observação da natureza como recurso não foi um deles. O esvaziamento do Mar de Aral para o cultivo de algodão é o maior exemplo nesse sentido, pois apesar de não ser a exploração para o mercado, ainda era a exploração predatória para o abastecimento. Portanto, perspectivas socialistas do século XXI devem não apenas buscar a superação econômica, mas ideológica com o capitalismo e o colonialismo.
O marxismo cru, apesar de trazer uma visão revolucionária para o século XIX acerca da relação homem-natureza, não foi suficiente. Marx comentava em sua Crítica ao Programa de Gotha que o trabalho não é fonte de toda a riqueza, mas a natureza também. A conexão entre natureza e valor se faz presente aqui, sendo preciso superá-la no próprio marxismo para que o futuro não exclua apenas a exploração do homem pelo homem, mas da natureza pelo homem.
Sob essa perspectiva de superação, novas formas de viver e existir com a natureza serão pensadas. Formas antigas, arraigadas no solo por meio dos povos indígenas, ribeirinhos e afins, poderão ser expandidas e servir de inspiração para um marxismo que supera o capital e a si mesmo. Sob esta perspectiva, a arquitetura que hoje é tida como sustentável, a que expõe Salzano, seria tão somente natural, não completamente humana, sequer fruto de uma natureza virgem, mas outra lógica de existir em união.
A sociedade sustentável sob o capitalismo é, portanto, totalmente contraditória. O direito, intrinsecamente capitalista, não permite outra forma de propriedade que não a privada – portanto, a propriedade comum dos meios de produção não pauta a nossa existência –, sequer a abolição do mercado como ente que pauta a vida. O Estado burguês, que se conforma ao direito graças à fonte capitalista de ambos, como destaca o professor e jusfilósofo Alysson Mascaro, reprime formas de existir divergentes da capitalista, como a dos povos indígenas.
O futuro ecológico não poderá existir por meio da promulgação de leis melhores. A desestruturação do capital deve implicar a superação de suas formas jurídica e estatal para a efetivação de um relacionamento não predatório do homem com a natureza. O futuro ecológico, portanto, só é visível para além da exploração e do pessimismo capitalistas, excluída a economia da dependência tipicamente colonial de exportação de minérios do Sul Global em direção aos polos industriais do Norte Global, centro do domínio econômico e ideológico capitalista.
Revisado por: Mara Gama
Referências[1] FANON, F. Os Condenados da Terra. 1ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.
[2] KRENAK, A. Futuro Ancestral. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
[3] KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
[4] MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 1ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2017.
[5] MASCARO, A. Estado e Forma Política. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2013.